domingo, 2 de setembro de 2018

Sobre o cânone literário brasileiro

[REIS, Roberto. Cânon. In: JOBIM, José Luís (org.) Palavras da crítica. Rio de Janeiro: Imago, 1992]
Roberto Reis afirma que para que se possa trabalhar o conceito de “cânon” é importante ter em mente que por trás de noções como linguagem, cultura, escrita e literatura está presente a noção de poder, pois o que se pretende, ao questionar o processo de canonização de obras literárias é, em última instância, colocar em xeque os mecanismos de poder a ele subjacentes. Considerando a linha de raciocínio dentro de uma dinâmica das práticas sociais em que a escrita e a leitura têm sido utilizadas como instrumentos de dominação social, o conceito de literatura seria entendido como uma prática discursiva.
O texto, em geral encerrado na moldura do livro, transita por uma sociedade na qual existem hierarquias de classe estratificando os indivíduos que compõem aquela sociedade. (...) O processo de canonização não pode ser isolado dos interesses dos grupos que foram responsáveis por sua instituição e, no fundo, o cânon reflete estes interesses e valores de classe.
O cânon é um evento histórico, visto ser possível rastrear a sua construção e a sua disseminação. Não é suficiente repassá-lo ou revisá-lo, lendo outros e novos textos, não canônicos e não canonizados, substituindo os ‘maiores’ pelos ‘menores’, os escritores pelas escritoras, e assim por diante. Tampouco basta – ainda que isto seja extremamente necessário – dilatar o cânon e nele incorporar outras formações discursivas, como a telenovela, o cinema, o cordel, a propaganda, a música popular, os livros didáticos ou infantis, a ficção científica, buscando uma maior representatividade dos discursos culturais. O que é problemático, em síntese, é a própria existência de um cânon, de uma canonização que reduplica as relações injustas que compartimentam a sociedade.
É também fundamental lançar mão de outros paradigmas de leitura, estabelecendo o contexto histórico como solo da interpretação. Ou seja, está em jogo uma maneira de ler, uma estratégia de leitura que seja capaz de fazer emergir as diferenças, em particular aquelas que conflitem com os sentidos que foram difundidos pela leitura canônica, responsável em última análise pela consagração e perenidade dos monumentos literários e via de regra reforçadora da ideologia dominante, subvertendo, desse modo, a hierarquia embutida em todo o processo.” (REIS, 1992, p. 76-77).

Realize um comentário que desenvolva pelo menos uma das questões abaixo:
Historicamente a literatura (bem como as demais artes) tem sido um veículo eficaz de transmissão de cultura?
O cânone literário leva em consideração autores e obras fora dos padrões do ocidente europeu?
O significado de qualquer juízo de valor sempre depende, entre outras coisas, do contexto em que foi emitido e de sua relação com os potenciais destinatários e sua capacidade de afetá-los ou mesmo convencê-los?