segunda-feira, 19 de novembro de 2018

O [suposto] perigo da literatura

A literatura representa um perigo - muitos afirmam em contextos diferentes. Esse dito pode partir daquele que defende a produção literária como transformadora de forma positiva, como para aquele que condena as mudanças, responsabilizando a produção artística como fundamental para os problemas existentes. Em ambos os casos, pode haver uma deturpação do sentido da literatura e de sua função social [também na direção de sua função humanizadora, como prescreve Antonio Candido]. Esse problema pode se situar no apagamento das responsabilidades coletivas ao atribuir ao elemento artístico um poder que (talvez) ele não possua. O que sustenta a sua crítica e o seu elogio é o próprio significado simbólico que a literatura carrega consigo: como expiatória para justificar as decisões já tomadas - e ainda não totalmente diluídas e aceitas sem algum comprovação que não implique um conflito com as consciências individuais - e como motivadoras para mobilizar ainda mais um movimento em curso, em uma tentativa de mobilizar os grupos sociais na direção de si e de suas contradições. Em ambos os casos a literatura pode ser perigosa... mas apenas como potencial que depende do movimento maior da sociedade. E esse "apenas" é bastante significativo, posto que existe a censura sobre a arte e a literatura como forma de "controle", como se controlar a produção artística garantisse a permanência ou a transformação por si só.

Para refletir sobre essa problemática, acesse o link do blog de Crítica Literária em que consta um texto sobre a queima de livros:
http://criticaliterariaufpel.blogspot.com/2017/07/queimem-os-livros-bradam-os-pensamentos.html

Leia, na sequência, a seguinte citação de um texto de 1984, de Artur Danto, que discute sobre o descredenciamento filosófico da arte.

O objetivo é articular a questão da literatura em sua materialidade linguística [abordagem formalista e estruturalista] com a processo histórico e cultural a com base nos textos sobre literatura e sociedade. Procure, para tanto, apresentar um exemplo de uma obra que poderia ser "transformadora", apresentando os motivos da sua escolha.


"Em seu grande poema sobre a morte de William Butler Yeats, Auden escreveu: 'A Irlanda ainda tem sua loucura e seu clima/ Porque a poesia nada faz acontecer'. Ninguém, suponho, nem mesmo um visionário poético, esperaria que a lírica dispersasse a umidade da Ilha Esmeralda, e isso dá a Auden seu paradigma de impotência artística. A equiparação com a loucura da Irlanda é então mencionada para desencorajar a esperança comparativamente fútil, mas frequentemente alimentada, de que a quantidade correta de versos pode fazer algo acontecer - embora sua ineficácia na política irlandesa não represente o descrédito especial da arte, pois não está claro que no campo da política alguma outra coisa pudesse ser eficaz. 'Penso ser melhor para tempos como esses / Que a boca do poeta esteja silenciosa, porque, na verdade / Não temos o dom de estabelecer o direito de um estadista', escreveu Yeats como se fosse uma recusa poética de escrever um poema de guerra. E ele parece ter endossado o pensamento que Auden expressou a ponto de dignificar como arte as ações políticas fracassadas, mesmo que muito calorosamente motivadas: 'Conhecemos os sonhos deles; o bastante / Para saber que sonharam e estão mortos; / E o que senão excesso de amor / Os bestializou até que morressem? [...] Uma terrível beleza nasceu'. Que a política se torne poesia quando enobrecida pela fracasso é uma transferência sentimental, a qual duvido que fosse consoladora para os selvagens atiradores do Easter Rising, uma vez que estar empenhado de modo suficientemente sério na mudança política, a ponto de derramar sangue real, é exatamente não querer que a própria ação seja avaliada apenas como escrita desviada no meio da violência. Ter escorregado da ordem da efetividade para a ordem da arte, ter alcançado inadvertidamente algo equivalente ao pássaro dourado da sala do trono bizantino ou da figura desconexa de uma urna grega deve, então, ser um duplo fracasso para o guerreiro já derrotado.
'Sei que todos os versos que escrevi, todas as posições que assumi nos anos 1930, não salvaram um único judeu', escreveu Auden com sua característica e ardente honestidade. 'Aquelas atitudes, aqueles escritos, só servem a si próprios' (...) 
Essa é, naturalmente, uma demanda empírica, e é difícil saber o quanto ela é verdadeira simplesmente por causa das dificuldades no tópico da explicação histórica. Em certo sentido, o jazz foi a causa da Era do Jazz ou apenas um emblema de suas transformações morais? Os Beatles causaram ou apenas prefiguraram as perturbações políticas dos anos 1960? Ou será que a política simplesmente se tornou uma forma de arte naquele período - pelo menos a política associada à música - enquanto a história política acontecia num nível diferente de causação? Em todo o caso, como sabemos, mesmo as obras com intenção de fisgar a consciência para a preocupação política tinham a tendência, de modo geral, de provocar no máximo uma admiração dirigida a elas e uma autoadmiração moral para aqueles que as admiravam."

DANTO, Artur.  
O descredenciamento filosófico da arte. 
Tradução: Rodrigo Duarte. 
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. p. 35-37.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

O jogo do texto

Wolfgang Iser apresenta uma relação do texto literário como um espaço de convergência para o que denomina como sendo um jogo de perspectivas em que estratégias são empregadas de acordo com as possibilidades existentes em cada jogada feita.

Afirma que o texto literário, situado entre o autor e o leitor, "pode ser descrito em três níveis diversos: o estrutural, o funcional, o interpretativo. Uma descrição estrutural visará mapear o espaço; a funcional procurará explicar sua meta e a interpretativa perguntar-se-á por que jogamos e por que precisamos jogar. Uma resposta à última questão só pode ser interpretativa pois que o jogo, aparentemente, é fundado em nossa constituição antropológica e pode, com efeito, nos ajudar a captar o que somos." (p. 109-110).

Articule uma explicação desses três níveis [estrutural, funcional e interpretativo] a partir de um exemplo literário de livre escolha, procurando desenvolver as noções de significante fraturado, esquema, estratégia e papéis na busca por apresentar como ocorre a construção da ilusão consciente que sustenta a representação artística. Procure, com base no seu exemplo, responder de forma genérica "o que é o jogo e por que jogamos", entendendo que o que e o por que estão relacionados com esse texto literário/artístico.

ISER, Wolfgang. O jogo do texto.
In: LIMA, Luiz Costa (org.). A literatura e o leitor. 
2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.