quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

O texto histórico como artefato literário

Em O texto histórico como artefato literário, capítulo 3 de Trópicos do Discurso, Hayden White apresenta uma discussão sobre o que a meta-história tenta fazer: manter-se atrás dos pressupostos que conferem sustentação a um dado tipo de investigação e formular as perguntas que a sua prática pode requerer. Destaca como sendo “um problema que nem os filósofos nem os historiadores encararam  com muita seriedade e ao qual os teóricos da literatura só têm concedido uma atenção momentânea” (p.98). Isso diz respeito ao status da narrativa histórica, um artefato não-sujeito a controles experimentais ou observacionais. Enfatiza também a relutância em considerar as narrativas históricas como aquilo que elas manifestamente são: “ficções verbais cujos conteúdos são tanto inventados quanto descobertos e cujas formas têm mais em comum com seus equivalentes na literatura do que com seus correspondentes nas ciências” (p. 98).

Ora, é óbvio que esta fusão da consciência mítica e da história ofenderá alguns historiadores e perturbará aqueles teóricos literários cuja concepção de literatura pressupõe uma oposição radical da história à ficção ou do fato à fantasia. (...) O que Frye diz é bastante verdadeiro enquanto afirmação do ideal que inspirou a escrita histórica desde a época dos gregos, mas esse ideal pressupõe uma
oposição entre mito e história que é tão problemática quanto venerável. Ela serve muito bem aos propósitos de Frye, visto que lhe permite localizar o especificamente “fictício” no espaço entre os dois conceitos de “mítico” e “histórico”.(...) “Toda a obra de literatura”, insiste Frye, “tem ao mesmo tempo um aspecto ficcional e um aspecto temático”, mas quando nos movemos da “projeção ficcional” para a articulação aberta do tema, a escrita tende a assumir o aspecto de “comunicação direta, ou escrita discursiva imediata, e deixa de ser literatura”.(p. 98-99).

WHITE, Hayden.
O texto histórico como artefato literário.
In: _____.Trópicos do discurso.
Tradução: Alípio Corrêa de Franca Neto.
São Paulo: Edusp, 1994.

Um comentário:

  1. Em um primeiro momento, esse fragmento precitado parece-me criar um constructo argumentativo falho, tencionando estabelecer relação analógica entre a “capacidade construtiva do pensamento humano” (p.99) e a análise intelectivo-crítica sobre fatores concretos, a saber, o fato histórico. White argumenta: “o máximo que se pode oferecer ao historiador são elementos de estória. Os acontecimentos são convertidos em estória pela supressão ou subordinação de alguns deles e pelo realce de outros” (p.100), dando ênfase ainda maior às noções de construção ficcional acerca da história.
    Tais noções acabam por compactuar com uma possível semiologização da realidade, ou mesmo do conceito de verdade, estratagema assaz utilizado por autores pós-modernos. No entanto, ao se tratar da ciência, cabe precisar os conceitos de realidade e verdade não como representação, mas como processo factual. Destarte, assim como em inferências científicas, o historiador preenche as elipses da história não com projeções de ficção, mas, sobretudo, com apreciações criteriosas que se fundamentam dentro dos ditames do verossímil.

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