sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Discussões

Seguem links de alguns exemplos citados nos encontros referentes aos operadores de leitura:

http://culturafm.cmais.com.br/radiometropolis/lavra/victor-hugo-a-uma-mulher
https://www.poetryfoundation.org/poems-and-poets/poems/detail/48859
https://www.youtube.com/watch?v=hkmz9Ip_zO8

Também disponibilizo o conto Diálogo, de Caio Fernando Abreu, e os poemas de Raul Bopp (MÃE-PRETA) e de Paulo Leminsk (enchantagem):

Diálogo

A: Você é meu companheiro.
B:Hein?
A:Você é meu companheiro, eu disse.
B:O quê?
A: Eu disse que você é meu companheiro.
B: O que é que você quer dizer com isso?
A: Eu quero dizer que você é meu companheiro. Só isso.
B: Tem alguma coisa atrás, eu sinto.
A: Não. Não tem nada. Deixa de ser paranoico.
B: Não é disso que estou falando.
A: Você está falando do quê, então?
B: Eu estou falando disso que você falou agora.
A: Ah, sei. Que eu sou teu companheiro.
B: Não, não foi assim: que eu sou teu companheiro.
A: Você também sente?
B: O quê?
A: Que você é meu companheiro?
B: Não me confunda. Tem alguma coisa atrás, eu sei.
A: Atrás do companheiro?
B: É.
A: Não.
B: Você não sente?
A: Que você é meu companheiro? Sinto, sim. Claro que eu sinto. E você, não?
B: Não. Não é isso. Não é assim.
A: Você não quer que seja isso assim?
B: Não é que eu não queira: é que não é.
A: Não me confunda, por favor, não me confunda. No começo era claro.
B: Agora não?
A: Agora sim. Você quer?
B: O quê?
A: Ser meu companheiro.
B: Ser teu companheiro?
A: É
B: Companheiro?
A: Sim.
B: Eu não sei. Por favor, não me confunda. No começo era claro. Tem alguma coisa atrás, você não vê?
A: Eu vejo. Eu quero.
B: O quê?
A: Que você seja meu companheiro.
B: Hein?
A: Eu quero que você seja meu companheiro, eu disse.
B: O quê?
A: Eu disse que eu quero que você seja meu companheiro.
B: Você disse?
A: Eu disse?
B: Não. Não foi assim: eu disse.
A: O quê?
B: Você é meu companheiro.
A: Hein?
(ad infinitum)

 
MÃE-PRETA

- Mãe-preta conte uma história.
- Então feche os olhos filhinho:

Longe, muito longe
era uma vez o rio Congo...

Por toda a parte o mato grande.
Muito sol batia no chão.

De noite
chegavam os elefantes.
Então o barulho do mato crescia.

Quando o rio ficava brabo
inchava.

Brigava com as árvores.
Carregava com tudo, águas abaixo,
até chegar na boca do mar.

Depois...

Olhos da preta pararam.
Acordaram-se as vozes do sangue,
glu-glus de água salgada
naquele dia do nunca-mais.

Era uma praia vazia
com riscos brancos de areia
e batelões carregando escravos.

Começou então
uma noite muito comprida.
Era um mar que não acabava mais.

... depois...

- Ué mãezinha,
por que não conta o resto da história?

[Raul Bopp (1898-1984) - In: Urucungo, 1932]

enchantagem

de tanto não fazer nada
acabo de ser culpado de tudo

esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima

de tanto fazer tudo
                           parecer perfeito
você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito

pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito

que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar

tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece
verdade

o pau da vida
o vinagre
vinho suave

pense e te pareça
senão eu te invento por toda a eternidade

[Paulo Leminski (1944-1989) - In: Toda poesia, 2013]


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