quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Resenhas Críticas

Espaço para postagens de resenhas críticas elaboradas com o intuito de divulgar opiniões e fomentar a discussão acerca da produção literária contemporânea.




Courtney Brown
"Self Organization",
 aka, The octopus sculpture
Bronze, 3'x3', found typewriter
 http://cbrownsculpture.com/

6 comentários:

  1. Professor, Colegas, compartilho introdução do meu ensaio. Como ficou longo, segue link abaixo para leitura completa.

    É preciso observar com bastante cautela a afirmação do professor Miguel Sanches Neto sobre Que Fim Levou Juliana Klein?, de Marcos Peres (Record, 2015, 352 páginas): “(…) desta narrativa que se vale da gramática do romance policial para cifrar uma sequência de rivalidades”. O excerto encontra-se no texto de orelhas com o título de “romance de rivalidades” e sugere que a publicação trata-se de uma típica obra do gênero policial. Essa afirmação de que o livro se insere entre os romances policiais têm recebido a adesão de muitos resenhistas sem maiores contestações; é o caso Eurídice Figueiredo que num texto especial para A Folha de São Paulo atesta “(…)é um romance policial que tem como protagonista Irineu, um delegadoque apura uma série de crimes em 2005, 2008 e 2011 em Curitiba.”; Seguindo a mesma essa linha de raciocínio, o professor Rodrigo Petrônio diz “(…)Peres se mostra um bom romancista policial que fornece falsas pistassobre o próprio romance” em texto publicado no site do Jornal Estadão. No entanto, tais afirmações carecem de reflexões mais precisas e que não se deixem cair na simplificação de determinar sua inscrição no gênero, sem ao menos questioná-la...

    Link para texto completo: http://www.douglaseralldo.com.br/2015/11/romance-policial-ou-literatura-um-olhar.html

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  2. Postarei, com muito atraso, minha resenha crítica da obra "Mãos de Cavalo", de Daniel Galera, por partes, pra caber nos comentários.

    A linguagem cinematográfica e a construção de personagens de Daniel Galera através de “Mãos de cavalo” e outras obras.


    A obra “Mãos de Cavalo” (2006), de Daniel Galera, é o terceiro romance publicado pelo autor nascido em São Paulo, mas radicado em Porto Alegre, e filho de pais gaúchos. E é exatamente na capital gaúcha que é ambientada a narrativa em questão. O romance divide a história de Hermano, personagem principal, entre sua juventude e a vida adulta, e apresenta os momentos marcantes dessas duas etapas, conectando-as diretamente.
    A história da juventude de Hermano se passa no Bairro Esplanada, onde ganhou o apelido de “Mãos de Cavalo” - título da obra - devido à sua compleição física, especialmente os braços e mãos muito compridos em relação ao corpo.
    É também na juventude que os personagens secundários mais importantes são apresentados, Bonobo e sua irmã Naiara. Bonobo, que é apresentado ao leitor como um brutamontes brigão, sempre envolvido em alguma confusão e resolvendo suas questões com violência, acaba tornando-se próximo de Hermano e exerce certo fascínio sobre a personagem principal. E Naiara, irmã de Bonobo, torna-se a personagem feminina mais relevante da juventude de Hermano (e de toda a história) e seu primeiro contato com o sexo (essa passagem analisaremos com mais profundidade mais adiante).
    Na fase adulta de Hermano, ele já é um cirurgião plástico renomado, casado e com uma filha. A mulher e a filha tem pouquíssima participação na história, ficam em segundo plano até em relação à Renan, instrutor de academia e amigo de Hermano, com quem viaja para praticar alpinismo e também pouco participa dos acontecimentos da narrativa.
    O romance aponta o fascínio de Hermano pela violência, pelo sangue, a busca por correr riscos, em contraste com a sua covardia sempre que um embate físico era sinalizado. Dessa forma, quando ele e Bonobo são perseguidos e o amigo é morto por vingança enquanto Hermano se esconde, é o desfecho da narrativa para a fase jovem, o fim da inocência do protagonista. No desfecho do livro, Hermano, com viagem marcada até a Argentina com Renan, para uma escalada, desvia o caminho do sítio do amigo e vai passear no bairro de sua infância. Lá se depara com um grupo de garotos que persegue um terceiro, e enfim, descendo do carro com uma corda de alpinismo como arma, defende o garoto em apuros entre socos e golpes de telha, exorcizando assim a covardia que o marcou desde o fim de sua juventude até aquele exato momento.
    Galera divide o livro em capítulos, fora da ordem cronológica. Intercala os episódios da juventude e da vida adulta e consegue criar dessa forma um suspense que prende o leitor. Essa forma cronologicamente deslocada com que o autor escreve a obra é marca clara da linguagem cinematográfica a que nos referimos, remetendo diretamente à obras como “Cães de Aluguel” (1992) e “Pulp Fiction” (1994), ambas de Quentin Tarantino. E aqui um adendo elogioso ao escritor: Galera desloca a continuidade cronológica de modo a identificarmos a densidade da personagem, seus anseios e medos, a construção interna que forma Hermano com e sem a maturidade da fase jovem ou adulta, enquanto Tarantino produz em sua obra uma história rasa e reta, uma forma de parecer ao espectador que ele está pensando por si, criando efeito psicológico, quando de fato está apenas encaixando uma história divertida, mas simples e retilínea. Algo como um quebra-cabeças.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. “É como se houvesse câmeras escondidas atrás dos postes registrando sua tenacidade física” – de uma correspondência com a representação possibilitada pelo cinema e essa estratégia pode ser diretamente relacionada à segunda questão presente em Mãos de Cavalo a ser enfocada na presente análise: a apropriação da linguagem cinematográfica, evidenciada não só por meio de técnicas, mas também de referências diretas. Desde a epígrafe – “Eu caminhava para a escola e ia imaginando planos em que uma grua subia aos poucos e me via lá embaixo como um pequeno objeto no meio da rua, caminhando para a escola.” –, uma frase do ator Nicolas Cage, até a recorrente referência à relação entre as experiências de Hermano e uma suposta câmera, presente em vários momentos do livro, como na passagem reproduzida a seguir:
    'Às vezes a câmera surgia nos instantes cruciais de sua existência, às vezes captava a realidade de momentos banais e solitários, quando estava correndo em Ipanema e começava a chover, quando descia do ônibus e entrava pelo portão da frente do colégio, quando andava de bicicleta em alta velocidade, por horas a fio, atravessando diversos bairros da cidade, ou quando subia o Morro da Polícia como se estivesse sozinho, praticamente ignorando a companhia dos amigos, pois havia apenas ele, o morro e a câmera. Não era simplesmente sentir-se observado, imaginar testemunhas indefinidas pra cenas de sua vida. Era como se ele mesmo se destacasse do corpo para se tornar o observador da cena.' "

    Ou seja, Galera não se envergonha disso, usa como artifício, abusa desse aspecto cinematográfico de alto realismo na sua escrita, o que não pode representar um defeito da obra e sim o estilo do autor. O marcado detalhismo na descrição de pessoas e lugares é ponto forte e muito celebrado em obras da escola Romântica - como em José de Alencar, por exemplo - o que Galera faz muito bem, embora na descrição das ações.
    O autor usa de uma escrita moderna, quebra certos padrões, como muitos autores hoje canônicos e que sofreram críticas severas à época por romperem com certo modelo. Evidente que não venho aqui dizer que Galera será o novo Machado de Assis, que sua escrita moderna será reconhecida como a de “Macunaíma” (Mário de Andrade), mas a história da literatura brasileira deixa claro que não podemos fechar os olhos para o novo, para o diferente. Que o cânone de hoje foi criticado no passado sabemos, e só o tempo dirá o que Daniel Galera representará para a literatura anos adiante. Mas uma linguagem nova não pode representar um defeito de escrita, como diz novamente, Laura Assis:

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  5. Se a imagem é considerada na cultura contemporânea como mais autêntica e detentora de uma maior legitimidade do que o texto, buscar construir visualidades por meio da literatura aparece, portanto, como uma estratégia que segue justamente a lógica de aproximar ficção e realidade, em busca de uma elaboração verossímil do mundo, espelhando a busca pela experiência autêntica e transformando, assim, a própria busca também em matéria representável.

    Para finalizar, expresso o que considero ainda o calcanhar de Aquiles do autor: a construção das personagens.
    É claro que a imaturidade de Hermano adulto, por vezes, é estratégico, representa as lacunas emocionais que resultaram os acontecimentos que marcaram sua juventude. A falta de respeito por si, mesmo tendo uma vida exemplar, com família constituída e renome numa profissão de prestígio e alto retorno financeiro, o alpinismo que se tornou hobby como uma fuga da vida perfeita que acha que não merece, até o momento em que expulsa seus demônios.
    Também é interessante a "transcendentalidade" da personagem Bonobo. O garoto morre em "Mãos de Cavalo" e aparece um personagem com o mesmo nome (apelido), tipo físico, personalidade e origem em "Barba Ensopada de Sangue", que mal consegue explicar sua conversão ao budismo e fala em imortalidade e reencarnação. Em certa passagem diz não saber se ainda estaria vivo se levasse a vida como em sua juventude, na zona sul de Porto Alegre.
    Mas há incongruências claras na construção psicológica das personagens que soam quase inverossímeis, e também uma dificuldade do autor em sair de sua zona de conforto, algo que até melhorou em "Barba Ensopada de Sangue", todavia continua falho.
    Galera desespera-se tanto para dar densidade às suas personagens que cria personagens inverossímeis em situações que se tornam, consequentemente, inverossímeis, como na passagem em que detalha o que seria a primeira relação sexual de Hermano, um garoto virgem de 15 anos que se encontra sozinho em um quarto com uma garota bonita disposta a fazer sexo com ele, e de repente acaba encontrando prazer não em uma relação convencional, mas em mordidas tão fortes a ponto de tirar sangue. Ora, entendemos que Hermano tem apreço pela dor, a violência e o sangue são temas que perpassam toda a narrativa, mas soa por demais forçado dar essa maturidade sexual a um garoto de 15 anos que nunca teve relações sexuais.
    Além do mais, o que há de elogioso na retomada de Bonobo, torna-se defeito quando não intencional. O homem jovem, deslocado e blasè, bonitão e inteligente, que sempre tem facilidade com mulheres e as trata com desdém, é sempre o mesmo, seja ele Hermano em "Mãos de Cavalo", o recém formado em Letras desempregado vivendo com ajuda dos pais de "Até o Dia Em Que o Cão Morreu" ou o professor de natação e atleta que não reconhece rostos e muda-se para Garopaba em busca de revelações sobre a história do avô de "Barba Ensopada de Sangue". Os mesmos traços de personalidade, os mesmos dilemas, o mesmo isolamento psíquico.

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  6. Há, ainda, a construção das personagens femininas, pois mesmo quando Galera tenta dar a elas profundidade, esta é pobre e por vezes repete o erro citado no parágrafo acima: Marcela e Jasmim de "Até o Dia Em Que o Cão Morreu" e "Barba Ensopada de Sangue", respectivamente, são a mesma personagem, que está lá pra dar companhia, sexo, e demonstram pouca indignação com os ataques de diva do protagonista.
    Estão sempre apaixonadas e ao dispor do bonitão indiferente, do mesmo modo que Naiara em "Mãos de Cavalo". Construções capazes de esquentar qualquer debate feminista. Assim também é Vivi, ex-namorada que virou noiva do irmão em "Barba Ensopada de Sangue". Porém, acredito que estes fatores estejam ligados a uma imaturidade pessoal de Daniel Galera, não literária. Não vejo como falta de qualidade, e o próprio autor dá sinais de evolução a cada romance. Aqui analisamos "Mãos de Cavalo" comparando e contrapondo com obras anteriores e posteriores, e elas sempre apresentaram sinais de maturidade pessoal e artística de Galera.
    Independentemente de seus pontos positivos ou negativos, é importante frisar que o jovem escritor tem sido importante para o surgimento de uma nova geração de leitores, com fãs fervorosos, o que o torna um dos autores mais celebrados dentre os escritores modernos e com relevância no cenário da literatura nacional e até internacional por seu potencial comercial.
    Enquanto aguardamos novas obras do autor, fica recomendada aqui a leitura do romance analisado e também outras narrativas de Daniel Galera, que, se não puderem aceitar como um grande escritor, fiquem certos de que pelo menos encontrarão um talentosíssimo contador de histórias.









    BIBLIOGRAFIA:

    GALERA, Daniel. Mãos de Cavalo. São Paulo: Cia das Letras, 2006.
    GALERA, Daniel. Até o Dia em Que o Cão Morreu: Cia das Letras, 2007.
    GALERA, Daniel. Barba Ensopada de Sangue: Cia das Letras, 2012
    ASSIS, Laura. A essencialidade dos “detalhes inúteis”: estratégias de representação em dois romances de Daniel Galera: Brasiliana – Journal for Brazilian Studies. Vol. 3, n.1 (Jul. 2014). ISSN 2245-4373.










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