ARTES
& LITERATURA
A Arte
– o conceito de arte e seu significado – possui uma importância fundamental
para que seja possível entender o que é ser humano. Das várias concepções
que tentam definir o humano nenhuma delas é tão relevante para esse
entendimento do que a capacidade de produzir arte. O raciocínio não é
suficiente, visto que outras espécies também o fazem (mesmo que em um nível
instintivo), assim como a linguagem ou até mesmo a organização social. Produzir
arte evidencia uma compreensão da finitude, da fragilidade, da inconstância, do
envolvimento com algo para além da sobrevivência da espécie, ou seja, uma
consciência da historicidade do indivíduo, da construção da própria noção de
história e de tempo.
A existência, a vida em sua concepção mais
ampla, é marcada pela sobrevivência diária, pelo cotidiano (in)suportável dos
acontecimentos e das expectativas em relação ao porvir – quase sempre imediato,
quase sempre circunscrito ao passar das horas. Pensar um futuro distante
implica algo mais, evidencia um romper com a monotonia da sobrevivência... e a
arte proporciona isso. A arte nos coloca em uma relação diferente com o mundo e
conosco. Criamos uma consciência do mundo a partir da produção estética e
acabamos por substituir o mundo “real” pelas impressões dessa mesma
“realidade”. Nesse sentido, mediamos o mundo pela ideologia de pensá-lo
diferente, constituindo os outros e a sociedade como visões alternativas. Se
essas construções são fundamentalmente humanas e nos constituem como sociedade
com todas as suas contradições, precisamos ser capazes de “ler” esse processo,
necessitamos aprender a nos relacionar com aquilo que nos define como seres
humanos e como sociedade e que ajuda (e em alguns casos define) o nosso pensar.
A dor da existência é esse cotidiano consciente, talvez por isso que Nietzsche
tenha definido a arte como a mentira que
torna a vida suportável. Esse diálogo com a arte evidencia a subjetividade
que rompe com o imediatismo e o utilitarismo – necessários para a
sobrevivência, mas também comprometedores das potencialidades humanizadoras.
Em razão dessa importância é que propomos uma discussão
que envolva a noção de Arte. Mas então por que Arte e Literatura? A Literatura
não é Arte? Sim, mas não faremos aqui o percurso de todas as artes, senão
mediadas pela linguagem, pela palavra. Nesse sentido, pretendemos pensar as Artes
a partir da linguagem literária, articulando a interpenetração que existe no
fazer literário com as outras produções estéticas.
É conhecida a divisão das Artes em três momentos
históricos: Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna – que se estende até a
contemporaneidade. Ainda que possamos imaginar vários momentos históricos, nos
ateremos a esses três para articularmos uma reflexão consistente, elaborando
digressões quando necessárias e relevantes para pensar o fazer artístico.
Na Antiguidade a definição passava pelas musas:
Poesia Épica (Calíope), Poesia Lírica e Música (Euterpe), Poesia Erótica
(Érato), Tragédia (Mepomene), Comédia (Tália), Hinos Sagrados e Retórica
(Polínia) - todas vindo a compor a primeira definição de Literatura proposta
por Aristóteles na Poética -, Dança e
Canto Coral (Terpsicore), História (Clio) e Astronomia (Urânia). Percebemos que
a mesma musa – Euterpe – simbolizava a Lírica e a Música, artes cuja separação
somente foi entendida em sua plenitude a partir do Humanismo (Século XV), bem
como a importância da Retórica, associada ao sagrado e à afirmação do
verdadeiro, vindo a se complementar com o estudo dos astros, considerado também
uma arte. A História, como sinônimo da arte de recordar – memória – se insere
como uma forma de arte importante e não apenas como ciência.
A importância da linguagem pode ser observada
nas sete Artes Liberais da Idade Média: o Trivium (Gramática, Lógica e
Retórica) e Quadrivium (Aritmética,
Geometria, Música e Astronomia). Somente quando essas etapas eram concluídas é
que o indivíduo estaria preparado para a Filosofia e a Teologia. A subordinação
das artes a esse processo formativo voltado para a concepção religiosa limitou
bastante a própria aceitação do fazer estético, ainda que a Arte não dependa
das suas definições e restrições. O que é interessante discutir também é a
permanência de um certo privilégio de um aspecto da linguagem – pautado no
Trivium – em detrimento do artístico, como se estivessem desconexos – ou
devessem permanecer distantes.
Na Idade Moderna/Contemporânea recuperamos a
noção de Arte da Antiguidade e acrescentamos a dinâmica das novas tecnologias
desde o entendimento de que o Cinema se constitui na Sétima Arte, tanto que o
número virou sinônimo dessa produção; mas quais seriam as outras seis? E
existem outras além de sete? Não há uma ordem clara sobre as seis artes que
antecedem o Cinema, no entanto, podemos pensar com uma certa lógica que a
Música pode ser a primeira (ritmo), seguida da Dança (movimento), passando pela
Pintura (impressão) e pela quarta arte, a Escultura (permanência), até o Teatro
(representação), a quinta arte.
A Literatura é, portanto, a sexta arte e aqui
aproveitamos para recuperar uma afirmação de Roland Barthes de que se ocorresse
algo que fizesse todas as disciplinas desaparecerem, restando apenas uma, essa
deveria ser a Literatura, pois a ela convergem todos os demais saberes e
conhecimentos. Essa proposta discorda desse posicionamento, pois a Literatura permeia
os saberes (ainda que Barthes não abordasse as artes, podemos pensar nos dois
aspectos: o das disciplinas/áreas do conhecimento e do fazer artístico),
necessitando dos demais para se constituir como arte e também refletir sobre a
cultura.
Dessa forma, sugerimos possibilidades de leitura
das artes a partir da Literatura (tanto da produção literária em um processo de
leitura comparativa, quanto do emprego da teoria e da crítica literária para
embasar o processo reflexivo importante para a formação acadêmica na área dos
cursos de Letras), relacionando a palavra como elemento mediador e como basilar
de algumas produções. Com isso, podemos pensar o Cinema, por exemplo, a partir
do conceito de narratividade, do seu roteiro, e discutir aquilo que o faz
diferente da Literatura. Assim como no Cinema e no Teatro percebemos a
convergência de várias artes, também traremos exemplos da Ópera e dos Musicais para
articularmos leituras e reflexões pertinentes tanto na busca pela compreensão
das obras quanto para a formação de sujeitos-leitores.
Além das sete artes mencionadas, também já são
aceitas várias outras. Acrescentaremos mais duas artes para a nossa proposta: a
Fotografia e a Televisão (agrupadas como sendo a oitava arte) e a Banda
desenhada ou Quadrinhos ou Graphic Novel (nona arte). Teremos, assim, oito
momentos de discussão que nomeamos como Estações.
Essas Estações serão apresentadas em encontros semanais e aprofundadas para aqueles
que (de forma voluntária) se identificarem com uma delas visando a elaboração
de ensaios para a avaliação final. A Literatura será o expresso que passará por essas Estações. Por ser a sexta arte, a
Literatura poderia ser denominada como o Expresso
6 – uma brincadeira que poderia incluir a Rota 66 (evidenciando a
geração Beat a partir da obra de Jack Kerouac) ou ainda o número da Besta – 666 – e o aspecto do grotesco, da feiura e de suas representações
na Literatura – há relações do 666 com
o www, apontando que a internet seria o momento do Juízo Final... então,
bem-vindos a este espaço.
Com isso, o primeiro encontro da disciplina Teorias
e Práticas de Leitura será destinado à avaliação e aceitação desta
proposta de trabalho. Em caso de aprovação, seguirão oito encontros que
tematizarão cada uma das demais artes em relação com o Expresso 6. A partir do décimo encontro serão realizadas
articulações a partir das leituras propostas e das convergências com a
Literatura – desde os textos literários até as obras de referência – assim como
entre as demais artes.
Segue uma lista de obras e indicações de leitura
(considerando o termo leitura em sua definição mais ampla) evidenciando as
obras que serão abordadas nos encontros e aquelas que se destinam (em razão da
limitação do tempo) aos grupos de trabalho para as atividades extra-classe
(para essas atividades será disponibilizado um turno de trabalho na mesma
semana em que o assunto for abordado):
Primeira Estação - Música:
Encontro principal:
- Patches (Clarence Carter).
- Marvin (Titãs).
- Rock de
Galpão I e II (Neto Fagundes e Estado das Coisas).
- Uma
outra estação (Legião Urbana).
- Habanera (Ópera Carmen).
- Tres minutos con la realidad (Astor Piazzolla).
- Uma
pequena música noturna (Mozart).
- Ode à
alegria (Beethoven).
- O
Malandro (Chico Buarque).
Metodologia: discussão das obras a
partir da palavra, ou seja, das composições (letras das músicas e musicalização
de poemas) e também a verbalização a partir desse olhar – dessa leitura – sobre
o ritmo e a sonoridade em sua inserção histórica e cultural.
Encontro complementar:
- Audição dos exemplos de músicas
disponibilizados no site http://www.concerthotels.com/100-years-of-rock/
- Big Bands (Glenn
Miller, Benny Goodman, Tommy Dorsey).
- Jazz (Louis Armstrong,
Stan Getz, Duke Ellington, Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Chet Baker).
- Blues (B. B. Kimg,
Muddy Waters, Bessie Smith, John Lee Hooker).
- Rock’n Roll (Roy
Orbison, Bill Haley, Chuck Berry, Litle Richard, Jimi Hendrix, Acústicos e
Valvulados, Ira, Titãs, Ultraje a Rigor).
- Disco Music (Jimmy
Horne, Sunshine Band, Barry White, Leroy Gomes, Harold Melvin).
- Soul (James Brown, Ray
Charles, Marvin Gaye, Sam Cooke).
- Reggae (Bob Marley,
Gregory Isaacs, Desmond Dekker, Yellowman).
- MPB (Tom Jobim, Caetano Veloso, Djavan, Milton
Nascimento, Lupicínio Rodrigues).
- Música Latinoamericana
(Luis Cobos, Raul Quiroga).
[O encontro se constituirá na audição de trechos
de músicas e de reflexão sobre a sua composição, historicidade e
expressividade.].
Segunda Estação – Dança:
Encontro principal:
- Valsa (Valsa
do Imperador – Strauss Jr.).
- Milonga (Milonga
de sobre passo – Rafael Koller).
- Chamamé (Km
11 – Constante J. Aquer).
- Tango (A
media luz – E. Donato).
- Ballet (O
lago dos cisnes - Tchaikovsky).
- Bolero (Dois
pra lá, dois pra cá – João Bosco).
Metodologia: a presença do movimento
na literatura. Como a dança é retratada pela Literatura. Alguns exemplos
literários da dança como tema e do movimento mediante o ritmo da palavra.
Encontro complementar:
- Oficina de expressão corporal.
- A liberdade do movimento e as limitações do
Outro – o reconhecimento da existência/presença da reciprocidade.
- Conhecer/reconhecer outros ritmos/movimentos.
Terceira Estação – Pintura:
Encontro principal:
- Civilização
Mineira (Portinari).
- Silêncio
(Rian Fontanele).
- Trilogia de obras de Umberto Eco (História da beleza, História da Feiura e A vertigem das listas)
- Comparação entre obras de Monet e Van Gogh
Metodologia: concepção de arte
através da pintura. Como a materialização de uma imagem ocorre na narrativa ou
na lírica. A questão de uma cena congelada e o olhar do artista e do leitor em movimento.
Encontro complementar:
- Visita ao MALG – Museu de Arte Leopoldo
Gotuzzo.
Quarta Estação – Escultura:
Encontro principal:
- Paradise in progress (Daniel Hourdé)
- Continuidade da discussão a partir das obras
de Umberto Eco.
Metodologia: a partir da inserção do
texto de Walter Benjamin (A obra de arte
na era de sua reprodutibilidade técnica), recuperar alguns aspectos
presentes na Pintura e preparar o terreno para o Cinema, a Fotografia e a
Televisão. Retomar as artes plásticas juntamente com a arquitetura para pensar
a narrativa moderna com base no ensaio de Anatol Rosenfeld, Reflexões sobre o romance moderno.
Encontro complementar:
- Reflexão sobre a Arte da permanência – a
arquitetura e as transformações culturais.
- Olhares sobre as esculturas presentes nos
espaços públicos.
Quinta Estação – Teatro:
Encontro principal:
- A
revolta da cachaça (Antonio Callado)
- O Boato
(João Simões Lopes Neto)
- Seis
personagens em busca de um autor (Pirandello)
Metodologia: Diferença entre a
representação e o texto – considerações sobre Literatura Dramática. A
convergência das demais artes no Teatro. A problemática do narrador e do autor
no texto dramático e a permeabilidade dos gêneros literários e artísticos.
Encontro complementar:
- Oficina de Teatro
- Escrita criativa – o texto teatral e a
narrativa literária: entrecruzamentos.
- Deus da Carnificina (Yasmina Reza).
- A vida é sonho (pedro Calderón de la Barca).
Sétima Estação – Cinema:
Encontro principal:
- Carmen
(Direção: Carlos Saura).
- Cisne
Negro (Direção: Darren Aronofsky).
- Ópera do
malandro (Direção Ruy Guerra)
Metodologia: discutir a ideia da
divisão da autoria, de obra coletiva. Pensar a presença das várias artes em um
processo de autorreferência e de metalinguagem. A perspectiva do olhar e da
recriação na esteira da adaptação e da reconstrução. A questão da imagem
em movimento que incorpora as demais
artes no seu processo narrativo.
Encontro complementar:
- Tempos modernos (Charles Chaplin).
- Deus da
carnificina (Direção: Roman Polanski)
- Tempos
de paz (Direção: Daniel Filho)
- Batman (trilogia de C. Nolan).
- Birdman (Direção: Alejandro González Iñárritu)
- Birdman (Direção: Alejandro González Iñárritu)
Oitava Estação – Fotografia e Televisão:
Encontro principal:
- Êxodos
(Sebastião Salgado) – fotografia.
- Nona
noite em novembro (Gottfried Helnwein) – fotografia.
- O tempo
e o vento (Direção: Paulo José, Denise Saraceni Walter Campos)
– série para Televisão.
- Breaking
Bad (Direção: Vince Gilligan) –
série para televisão.
Metodologia: as peculiaridades do
ritmo narrativo para o cinema e para a televisão – considerando a audiência via
internet. O roteiro e a construção das personagens e seu feedback do público – aceitação/rejeição. A questão do mercado – da
Indústria Cultural – e o novo contexto histórico. Reflexão a partir das
considerações de Theodor Adorno, Walter Benjamin e Hannah Arendt.
Encontro complementar:
- Fotografia e pintura: o registro do momento e
a revitalização do passado.
- Fotografia analógica e digital – experiências do
fazer e do sentir.
- Grande
sertão: Veredas (Walter Avancini) – série para televisão.
- Gothan
(Direção: Danny Cannon) –
série para televisão.
- The Good Wife (Ridley e Tony Scott) – série para televisão.
Nona Estação – Graphic Novel:
Encontro principal:
- Batman
– Terra Um (Geoff Johns e Gary Frank).
- El
Gaucho (Milo Manara e Hugo Pratt).
Metodologia: as imagens em sequência
visando contar uma história. As histórias em quadrinhos podem ser percebidas
como uma tentativa de criar a ilusão de movimento – vide o sucesso dos filmes
baseado em graphic novels na atualidade. Tanto a fotografia quanto o cinema e
os quadrinhos se inserem em uma perspectiva desejada (podemos observar a partir
do ensaio de Umberto Eco sobre o escudo de Aquiles, em A vertigem da listas). Discutir as várias denominações desse gênero.
Encontro complementar:
- Demolidor
– Fim Dos Dias (Brian Bendis e David Mack).
- Antes de
Watchmen (vários)
A partir do décimo encontro serão propostas
relações visando ampliar as possibilidades de leitura, promovendo aproximações
com base nas seguintes obras:
- Ópera:
- Ópera dos três vinténs (Brecht)
- Carmen (Bizet)
-
Romance:
- Carmen (Prosper Mérimée)
-
Musical:
- Chicago (Direção: Rob
Marshall)
- Trilha sonora de filmes
- Vídeos clipes
– Another brick in the wall
(Pink Floyd)
- Happy (Pharrell Williams)
- Do the evolution (Pearl Jam)
- Express yourself (Madonna)
- Born this way (Lady Gaga)
- Express yourself (Madonna)
- Born this way (Lady Gaga)
- Curtas metragens:
– Contrabandista
(Henrique de Freitas Lima)
– O dia
que Dorival encarou a guarda (Jorge Furtado)
O objetivo é recuperar as leituras até então
realizadas em cada Estação e socializar com o grupo as impressões e considerações
elaboradas ao logo do semestre.
Claude Monet - Gare Saint Lazare - 1877