[REIS,
Roberto. Cânon. In: JOBIM, José Luís (org.) Palavras da
crítica. Rio de Janeiro: Imago, 1992]
Roberto Reis afirma que para
que se possa trabalhar o conceito de “cânon” é importante ter
em mente que por trás de noções como linguagem, cultura, escrita e
literatura está presente a noção de poder, pois o que se pretende,
ao questionar o processo de canonização de obras literárias é, em
última instância, colocar em xeque os mecanismos de poder a ele
subjacentes. Considerando a linha de
raciocínio dentro de uma dinâmica das práticas sociais em que a
escrita e a leitura têm sido utilizadas como instrumentos de
dominação social, o conceito de literatura seria entendido como uma
prática discursiva.
“O texto, em geral encerrado
na moldura do livro, transita por uma sociedade na qual existem
hierarquias de classe estratificando os indivíduos que compõem
aquela sociedade. (...) O processo de canonização não pode ser
isolado dos interesses dos grupos que foram responsáveis por sua
instituição e, no fundo, o cânon reflete estes interesses e
valores de classe.
O cânon é um evento
histórico, visto ser possível rastrear a sua construção e a sua
disseminação. Não é suficiente repassá-lo ou revisá-lo, lendo
outros e novos textos, não canônicos e não canonizados,
substituindo os ‘maiores’ pelos ‘menores’, os escritores
pelas escritoras, e assim por diante. Tampouco basta – ainda que
isto seja extremamente necessário – dilatar o cânon e nele
incorporar outras formações discursivas, como a telenovela, o
cinema, o cordel, a propaganda, a música popular, os livros
didáticos ou infantis, a ficção científica, buscando uma maior
representatividade dos discursos culturais. O que é problemático,
em síntese, é a própria existência de um cânon, de uma
canonização que reduplica as relações injustas que compartimentam
a sociedade.
É também fundamental lançar
mão de outros paradigmas de leitura, estabelecendo o contexto
histórico como solo da interpretação. Ou seja, está em jogo uma
maneira de ler, uma estratégia de leitura que seja capaz de fazer
emergir as diferenças, em particular aquelas que conflitem com os
sentidos que foram difundidos pela leitura canônica, responsável em
última análise pela consagração e perenidade dos monumentos
literários e via de regra reforçadora da ideologia dominante,
subvertendo, desse modo, a hierarquia embutida em todo o processo.”
(REIS, 1992, p. 76-77).
Realize um comentário que
desenvolva pelo menos uma das questões abaixo:
Historicamente a literatura
(bem como as demais artes) tem sido um veículo eficaz de transmissão
de cultura?
O cânone literário leva em
consideração autores e obras fora dos padrões do ocidente europeu?
O significado de qualquer juízo
de valor sempre depende, entre outras coisas, do contexto em que foi
emitido e de sua relação com os potenciais destinatários e sua
capacidade de afetá-los ou mesmo convencê-los?