segunda-feira, 26 de junho de 2017

O que é resistir?


"Tive já ocasião de ler e de ouvir contar muitas histórias incríveis dos tempos em que as pessoas viviam num estado livre, isto é, desorganizado, selvagem. Mas o aspecto para mim mais inacreditável é o seguinte: como foi possível o poder governante (fosse ele embora o mais rudimentar) permitir ao povo viver sem uma regra idêntica às nossas Tábuas dos Mandamentos Horários, sem passeios obrigatórios, sem um controle rigoroso das horas das refeições... Como pode ele consentir que as pessoas se levantassem e fossem para a cama quando muito lhes apetecia" (Yevgeny Zamyatin: Nós)


"Fiquei preocupado com a sobrevivência, manter minha família, a casa. Lutei para pagar a casa, aceitei a troca pelo apartamento, briguei para arranjar emprego, aceitei o que me deram, apavorado com a perspectiva de não futuro. E foi exatamente ao não presente que cheguei. Olhando para trás, vejo que vivi dentro de um não passado. E a conclusão é simplesmente terrível... (...) um homem que atravessou um não passado e que caiu dentro de um não presente não existe. Que ideia louca. Não existo..." (Ignácio de Loyola Brandão: Não Verás País Nenhum)


"Um homem civilizado não tem por que suportar seja lá o que for de necessariamente desagradável. E, quanto a fazer as coisas, Ford os preserve de ter jamais tal ideia na cabeça! Toda ordem social ficaria desorganizada se os homens se pusessem a fazer as coisas por iniciativa própria." (Aldous Huxley: Admirável Mundo Novo)

De uma perspectiva sociológica eu ousaria acrescentar que nossa sociedade, ao mesmo tempo em que se integra cada vez mais, gera tendências de desagregação. Essas tendências encontram-se bastante desenvolvidas logo abaixo da superfície da vida civilizada e ordenada. A pressão do geral dominante sobre tudo que é particular, os homens individualmente e as instituições singulares, tem uma tendência a destroçar o particular e individual juntamente com seu potencial de resistência. Junto com sua identidade e seu potencial de resistência, as pessoas também perdem suas qualidades, graças a qual têm a capacidade de se contrapor ao que em qualquer tempo novamente seduz ao crime. [Grifos meus] (Theodor Adorno: Educação Após Auschwitz)

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Entre oprimido e opressores, entre vítimas e carrascos: reflexões.


"os habitantes de um país totalitário são arremessados e engolfados num processo da natureza ou da história para que se acelere seu movimento; como tal só podem ser carrascos ou vítimas de sua lei inseparável." (Hannah Arendt: As Origens do Totalitarismo)

"as massas contrariamente ao que foi previsto, não resultaram da crescente igualdade de condição e da expansão educacional, com a sua consequente perda de qualidade popularização de conteúdo, pois até os indivíduos altamente cultos sentiam particularmente." (Hannah Arendt: As Origens do Totalitarismo)

"resistir ao pensamento consolidado, às verdades absolutas, é se tornar humano. Ao compartilharmos as vitórias brindamos o fracasso do humano. A proposta pode ser inversa: compartilhar e aceitar as derrotas e brindar o essencialmente humano, seu fracasso e sua vitória inalienável." (João Luis Pereira Ourique: In:Sobre a nossa renovada capacidade de sofrer... Uma leitura d’O fígado de Prometeu, de Antonio Callado)

“enquanto eles [Os Proletas] não se conscientizam, não serão rebeldes autênticos e, enquanto não se rebelarem, não têm como se conscientizar.” (George Orwell: 1984)

"Mesmo quando eles ficavam insatisfeitos, como às vezes acontecia, sua insatisfação não levava a lugar nenhum, porque, desprovidos de ideias gerais como eram, só conseguiam fixar-se em queixas específicas e menores. Os grandes males invariavelmente escapavam a sua atenção." (George Orwell: 1984)

“se é que há esperança, a esperança está nos proletas” - Winston Smith (George Orwell: 1984)