http://culturafm.cmais.com.br/radiometropolis/lavra/victor-hugo-a-uma-mulher
https://www.poetryfoundation.org/poems-and-poets/poems/detail/48859
https://www.youtube.com/watch?v=hkmz9Ip_zO8
Também disponibilizo o conto Diálogo, de Caio Fernando Abreu, e os poemas de Raul Bopp (MÃE-PRETA) e de Paulo Leminsk (enchantagem):
Diálogo
A:
Você é meu companheiro.
B:Hein?
A:Você
é meu companheiro, eu disse.
B:O
quê?
A:
Eu disse que você é meu companheiro.
B:
O que é que você quer dizer com isso?
A:
Eu quero dizer que você é meu companheiro. Só isso.
B:
Tem alguma coisa atrás, eu sinto.
A:
Não. Não tem nada. Deixa de ser paranoico.
B:
Não é disso que estou falando.
A:
Você está falando do quê, então?
B:
Eu estou falando disso que você falou agora.
A:
Ah, sei. Que eu sou teu companheiro.
B:
Não, não foi assim: que eu sou teu companheiro.
A:
Você também sente?
B:
O quê?
A:
Que você é meu companheiro?
B:
Não me confunda. Tem alguma coisa atrás, eu sei.
A:
Atrás do companheiro?
B:
É.
A:
Não.
B:
Você não sente?
A:
Que você é meu companheiro? Sinto, sim. Claro que eu sinto. E você,
não?
B:
Não. Não é isso. Não é assim.
A:
Você não quer que seja isso assim?
B:
Não é que eu não queira: é que não é.
A:
Não me confunda, por favor, não me confunda. No começo era claro.
B:
Agora não?
A:
Agora sim. Você quer?
B:
O quê?
A:
Ser meu companheiro.
B:
Ser teu companheiro?
A:
É
B:
Companheiro?
A:
Sim.
B:
Eu não sei. Por favor, não me confunda. No começo era claro. Tem
alguma coisa atrás, você não vê?
A:
Eu vejo. Eu quero.
B:
O quê?
A:
Que você seja meu companheiro.
B:
Hein?
A:
Eu quero que você seja meu companheiro, eu disse.
B:
O quê?
A:
Eu disse que eu quero que você seja meu companheiro.
B:
Você disse?
A:
Eu disse?
B:
Não. Não foi assim: eu disse.
A:
O quê?
B:
Você é meu companheiro.
A:
Hein?
(ad
infinitum)
MÃE-PRETA
-
Mãe-preta conte uma história.
- Então
feche os olhos filhinho:
Longe,
muito longe
era uma
vez o rio Congo...
Por toda a
parte o mato grande.
Muito sol
batia no chão.
De noite
chegavam
os elefantes.
Então o
barulho do mato crescia.
Quando o
rio ficava brabo
inchava.
Brigava
com as árvores.
Carregava
com tudo, águas abaixo,
até
chegar na boca do mar.
Depois...
Olhos da
preta pararam.
Acordaram-se
as vozes do sangue,
glu-glus
de água salgada
naquele
dia do nunca-mais.
Era uma
praia vazia
com riscos
brancos de areia
e batelões
carregando escravos.
Começou
então
uma noite
muito comprida.
Era um mar
que não acabava mais.
...
depois...
- Ué
mãezinha,
por que
não conta o resto da história?
[Raul
Bopp (1898-1984) - In: Urucungo, 1932]
enchantagem
de tanto não fazer nada
acabo de ser culpado de tudo
esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima
de tanto fazer tudo
parecer perfeito
você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito
pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito
que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar
tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece
verdade
o pau da vida
o vinagre
vinho suave
pense e te pareça
senão eu te invento por toda a eternidade
[Paulo
Leminski (1944-1989) - In: Toda poesia, 2013]